Para irem sabendo de mim...

09 dezembro 2008



30- muito bem celebrados!

02 dezembro 2008

Mesa farta no dia de dar graças. Agradeço todos os dias. A ninguém em particular, a todos, a mim, às minhas fadinhas. Por tudo e por nada.

16 novembro 2008

Estou tão mudada (4)

Embora não levasse muita fé, aceitei o desafio. Corro meia hora, três vezes por semana. Por enquanto é dentro de portas. Na Primavera vou ter o Charles por companhia. Talvez alterne margens: Boston com vista de Cambridge ou Cambridge com vista de Boston?

15 novembro 2008

Começo a pensar nos abraços apertados- confirmação física das saudades. Anseio o embalo da conversa, beber-lhes as novidades, preencher-me com a familiaridade.

07 novembro 2008

Do grande dia

Respira-se um ar mais leve por estes lados. Depois da expectativa global, o alívio e entusiasmo são quase palpáveis de tão intensos. Tive o prazer emocionado de celebrar com eles a grande vitória. Transpira a certeza da mudança de rumo e a esperança de uma América melhor. Yes we can, disse ele e gritaram todos. Please do! respondo eu.

18 outubro 2008

Blindness

Descrevo o filme (aqui) apenas como muito fiel ao livro, e isso já diz tudo. Igual dureza, igual encanto. As mesma três cenas de uma beleza genuína que me despertam simultaneamente um choro previligiado de poucas lágrimas e um sorriso límpido. A nobreza da mulher, a dignidade das mulheres, a simplicidade do cão. Digiro lentamente, saboreio aos poucos. Indelével, sei que me vai acompanhar por toda a vida.

16 outubro 2008

O beijo

Começou por ser marcador de livro. O beijo dele veio de Viena, trazido pela mãe. Agora faz também parte de uma parede do quarto.

15 outubro 2008

Extasiados com as cores do Outono.

07 outubro 2008

Metáfora

No sobressaltado último ano e meio mudei de casa seis vezes. Abandonei tralha, desfiz-me de papelada, deixei recordações para trás. O meu passado mora, bem guardado, em duas estantes na casa da mãe. No quarto de paredes esconsas e duas grandes janelas vivo rodeada da minha riqueza: dois mini-cactos, uma aboborinha, uma pinha e uma concha. Contas feitas à vida, fiquei com o essencial.

27 setembro 2008

Do tão esperado debate

Na casa de uma jovem família americana, acompanhada por mais americanos, pizza e cerveja, assisti ao debate. Segui com atenção e fui sorrindo face aos comentários dos meus companheiros de audiência. Vivo rodeada de uma elite que não hesita em criticar McCain e apoiar Obama. Temos muito chão em comum, mas diferenças profundas que, de tão fundamentais, não sei se lhes hei de chamar culturais.
Gosto do Obama, pronto. Gosto da postura, da visão a cinzento (em oposição à arrogância do preto e branco), da maneira como expõe as suas ideias, mas... Não me convence. Queria mais. Queria-o mais suculento, mais recheado de ideais. Chamem-me ingénua ou pouco pragmática, mas quando o oiço traduzir a sua discordância face à guerra do Iraque em custos de biliões de dólares para a economia americana em vez de aclamar questões de princípio, tremo por dentro. Já agora, a demagogia da bracelete da mãe do soldado e o pai queniano que o fez acreditar no sonho americano também eram escusados...

24 setembro 2008

Friozinho na barriga


Aqui é dia, mas lá já é noite. Enquanto escrevo, entre o dia e a noite, ela estreia-se.

23 setembro 2008

O preço da opção

A avó está a envelhecer depressa, disse-me num tom que tenta desdramatizar a coisa. É a vida, acrescentou. Desde então trago o coração apertadinho. A minha avó está a envelhecer depressa e eu não estou lá. O meu irmão galopa a adolescência e eu acompanho só de longe. A minha mãe enche-se de coragem para um novo ano e eu apenas lhe oiço os receios. O meu pai volta à rotina, oiço-lhe o desabafo mas não lhe dou alento ao jantar. A centenária da família acabou por ir e o meu abraço foi só virtual. O meu cãozinho teve pulgas que lhe fizeram alergia e não fui eu que o levei ao doutor. O dia da grande estreia é já na quinta-feira e eu não vou estar na primeira fila. Eu estou muito feliz aqui, mas não estou lá.

20 setembro 2008

Ao estilo de Cambridge (2)

Calço luvas e uso gorro de lã em Setembro. Prometo (esforçar-me para) não passar o inverno a reclamar do frio.

Tendência

Outono 2008: tons ratinho

16 setembro 2008

Think big

Não funciono a grande escala. Preciso de objectivinhos e de sucessos sucessivos, mesmo que pequenos. De tanto lidar com populações, o muito do mesmo dá-me um certo conforto, uma sensação de missão cumprida, de dia ganho. Reprogramo-me. Por enquanto quero um gene. Só um, mas em grande. Um daqueles que se medem às kilobases. Em breve vou querer todos. Terei o charme de uma garota genómica.

10 setembro 2008

Num precioso segundo

Olho-me no espelho e reconheço-me. Quase diariamente paro. Não é planeado, acontece. Um segundo chega-me para recapitular o filme da minha vida e fazer o balanço do aqui e agora. A vidinha corre-me bem. Sábado ao almoço, em tom de cumplicidade feminina e enquanto a família jogava à bola, fez-me prometer ser fiel a mim mesma e previu-me, tão assertivamente que me soou a promessa, um pico bem mais alto na escala da vida. Lembro-me, mas mesmo assim acredito.

06 setembro 2008

Conjugação da minha vida

Deixámo-nos, deixaram-me, deixei-o.

29 agosto 2008

Disse o Obama “America, we are better than these last eight years. We are a better country than this.” Do lado de cá, eu acredito.

26 agosto 2008

Modestamente tudo

Cabeça arrumada e contas feitas à vida, a minha angústia resume-se agora a um único pensamento: como pude eu, depois de ter tido tanto, achar-me feliz com tão pouco? Agora que me começo a meter noutra, revejo-me na declaração de princípios de José Saramago para a sua Fundação "Como se vê, não vos peço muito, mas peço-vos tudo." É que eu da vida também não espero muito, quero simplesmente tudo.

15 agosto 2008

Porque sim

Tudo o que aqui se escreve é pensado e repensado. Às vezes hesito, outras desisto. Não sei bem porque escrevo. É verdade que se vão contando novidades por aqui, mas muitas (as mais importantes?) não passam pelo crivo. Ficam retidas ou são só privilégio de alguns. Acima de tudo escrevo despida de pretensão. Não sei o quero que isto seja, não espero nada desta escrita. Escrevo porque sim.

08 agosto 2008

Gone with the rain

Por esta altura cruza o Atlântico. Provou e aprovou a cidade, os lugares, o laboratório e os amigos. Não é que tenha dúvidas- pelo menos por enquanto, este é o meu lugar- mas esta confirmação deixa-me (nos) mais descansada.
Hoje sinto a falta de alguém que me espera em casa ao fim-do-dia e estranho o quarto, de tão vazio e arrumado.
Amanhã começa uma nova temporada. Estou oficialmente de volta (cheia de vontade) à rotina intensa.

04 agosto 2008

Do riso

Riem-se. Rir junto é melhor que falar a mesma língua. Ou talvez o riso seja uma língua anterior que fomos perdendo à medida que o mundo foi deixando de ser nosso.

O senhor das metáforas escreveu assim, eu escrevi assado.

17 julho 2008

Cinzento

Foi-me uma vez diagnosticada alteração de humor pós-menstrual. Recusei-me a acreditar. Eu, dominada por hormonas? Era o que faltava. Esta semana chorei a ver os Friends, irrito-me pela primeira vez com a falta de limpeza das roommates, não me apetece sair da cama de manhã e protelo a ida ao ginásio. Desabafo com a Sofia que estou com a neura e ela percebe-me perfeitamente. Dou a mão à palmatória: as hormonas fazem de mim o que bem entendem. Resta-me o conforto de saber que daqui a uns dias volta tudo ao normal.

16 julho 2008

Estamos tão diferentes, somos tão iguais

Uns de perto outros de longe, rumámos. A cidade frenética que me encanta foi o ponto de encontro. Há quantos anos não nos víamos? O primeiro olá e os dois dias de conversa não deixaram dúvidas: foi ontem. Eles os três fizeram parte, num registo diário, de alguns dos melhores anos da minha vida. Foram momentos intensos, vividos de fio a pavio. Eles sabem-me a história, conhecem-me o recheio.
Por aqui é tudo novo. Sou uma tábua rasa. Começar de novo tem os seus encantos. O descanso de ser simplesmente a Vera sem precisar de dizer nada, é também saboroso.

05 julho 2008


Que me perdoem o pequeno exercício de vaidade, mas adoro esta fotografia...

02 julho 2008

Anastasia Island, Florida





"Evolution is not an option"*

Eu sei que eles andam por aí. Ia até prevenida que abundam na Florida. Mesmo assim o queixo caiu-me(nos) na mesa do almoço. O moço é biólogo de profissão. Tipo novo, simpático mas de poucas palavras. Já lhe tínhamos notado o particular silêncio quando adaptação e evolução vinham à baila. No último dia resolveu abrir o jogo: é criacionista! Uns segundos de silêncio para recuperar o fôlego, seguidos de sessão de perguntas e respostas. Acredita que o mundo tem seis mil anos (ou coisa que o valha), na arca de Noé e no dilúvio. Eu calada. Estupefacta. À medida que o discurso se foi articulando oscilei entre indignação, riso e tristeza. Provavelmente por esta ordem. Comportei-me, controlei-me. Guardei toda a minha energia e pensamento claro para, de uma só golfada, esclarecer: nós não acreditamos em evolução por selecção natural, nós aceitamos-la, porque é uma teoria cientificamente suportada (maneira airosa de lhe dizer que fizesse o que quisesse com a fé dele, mas que não a metesse na ciência).

No dia exacto do centésimo quinquagésimo aniversário da teoria da evolução por selecção natural, aqui fica o meu muito modesto contributo para a sua celebração.

*Sempre que passo pelo gabinete da Hopi sorrio ao ler-lhe a frase do postal colado na
porta

01 julho 2008

Lab vibe

Um dos vários emails que a Hopi nos faz chegar, quase diariamente, diz assim:

"Forget the 4th of July celebrations....
TODAY, July 1, is the 150th anniversary of the reading of the
Darwin-Wallace paper at the Linnean Society in London. The Theory of
Evolution by Natural Selection was born exactly 150 years ago.
Raise a glass this evening to the two bearded sages, and to the
theory that was announced on that day!"

É por esta e por outras que gosto tanto do meu novo lab. Boa gente e boa ciência mas, acima de tudo, este espírito que nos faz vibrar diariamente. Critério número um, confesso, para a escolha de alunos e posdocs: people that have that burning in the belly.

20 junho 2008

Estou tão mudada (3)

Volta e meia embarco numa Stella ou Corona. Uma faz-me a conta. Beberico-a pelo noite fora e sabe-me bem.

19 junho 2008

Estou tão mudada (2)


Foram 2 dias, SEMPRE a pedalar!

17 junho 2008

Quando me sair o euromilhões* crio uma fundação. Enquanto o dia não chega, venho aqui.

*nota mental: há que jogar para ter alguma probabilidade (mesmo que ínfima) de ganhar

O senhor que diz coisas acertadas e coisas bonitas

"Que imagem tem do seu país e dos seus compatriotas?
Tenho sido severo, algumas vezes. Mas houve uma altura em que disse que gostava daquilo que este país fez de mim - é um dos melhores elogios que se pode fazer. (…) O grande problema nacional é a mediocridade e a resignação à mediocridade.

Como é que gostava de ser recordado? O Nobel português?
Gostaria de ser recordado como o escritor que criou a personagem do cão das lágrimas [Ensaio sobre a Cegueira]. É um dos momentos mais belos que fiz até hoje enquanto escritor. Se no futuro puder ser recordado como "aquele tipo que fez aquela coisa do cão que bebeu as lágrimas da mulher", ficarei contente. Se alguém procurar naquilo que eu tenho escrito uma certa mensagem, atrevo-me pela primeira vez a dizer que essa mensagem está aí. A compaixão dessa mulher que tenta salvar o grupo em que está o seu marido é equivalente à compaixão daquele cão que se aproxima de um ser humano em desespero e que, não podendo fazer mais nada, lhe bebe as lágrimas."

José Saramago em entrevista ao Público (15 de Junho, 2008)

Estou tão mudada (1)


De quem são estes pés?

12 junho 2008

A minha amiga do peito não é muito dada a modernices, por isso atendeu-me do telefone lá de casa. Ouvi-lhe o estou inconfundível (nem a alergia lhe camufla a alegria) e, como sempre, a conversa encarrilou facilmente. Contei-lhe da vidinha de cá e ouvi-lhe da de lá. Estava a sentir-lhe a falta. Estou tão apaziguadinha.

10 junho 2008

As bananas da Madeira não chegam aqui

Hesito entre bananas gigantes, cheias de químicos, descoloradas e insípidas (mas sem embalagens desnecessárias) e bananas organic aconchegadas numa cama de esferovite com lençol de plástico aderente. Irrito-me, lembro-me da story of stuff, praguejo em português e não trago nenhumas.

Pigmentação estival

Agora que estudo pigmentação, divirto-me a olhar para os padrões da minha. A pedalada no Cabo não me levou o v do peito. Antes, ganhei duas riscas nas costas e umas mãos negras de tão bronzeadas.

04 junho 2008

Às oito da noite, a caminho de casa na bicicleta turquesa, o ar que me faz esvoaçar a saia e me seca o cabelo é quente. O verão começou por estas bandas e parece que veio para ficar. Tirando o escaldão em forma de v no meu peito, a vida corre-me bem.

03 junho 2008

Pus o laboratório em alvoroço. Ninguém sabe o que pensar, avançam-se as explicações mais mirabolantes... A coisa é mesmo estranha, parece que descobri uma nova lei de Mendel. A Hopi deita-se no chão e já se fala em God-mouse!

02 junho 2008

Revejo-me em pequenos pormenores de conversas esporádicas. Muitas vezes identifico-me e lembro-me que já estive ali. A vontade de viajar, o gozo dos fins-de-semana caseiros, os muitos planos, todos a dois. Às vezes apetece-me dizer-lhe que aproveite bem, outras vezes quase me sai um conselho boca fora, mas a maior parte das vezes gosto mesmo só de a ouvir.
Aproximo-me dos trinta, e ao mesmo tempo que me reconheço uma estranha sensação de pessoa vivida, identifico-me com a mocinha sonhadora de Lisbela e o prisioneiro "A graça não é saber o que acontece. É saber como acontece e quando acontece."

26 maio 2008

A mesa dos sonhos



Dreaming device e fotos por Sofia Ponte

15 maio 2008

Adaptação do Ensaio sobre a Cegueira de Saramago, por Fernando Meirelles com a Julianne Moore e o Gabriel Garcia Bernal?! A minha expectativa não pode ser mais alta. Parece que vai abrir o Festival de Cannes. Vasco Câmara descreve-o no Público como opressivamente luminoso. Assim que sair vai haver sessão luso-brasileira por cá com certeza.

13 maio 2008

Vida de bióloga

O trabalho de campo é sempre surpreendente. Um desafio constante à minha tenacidade e resistência, sempre com altos e baixos emocionais. A decepção de uma armadilha vazia é muitas vezes superada por uma gargalhada numa conversa com o colega igualmente desapontado e pronto para voltar para casa. Trovoada assustadora seguida de vistoria às armadilhas debaixo de uma chuva copiosa, sou tão miserável. Seguimos mais para o interior: novo acampamento, duche de água quente, parque muito bonito, cuscus para o jantar, conversa e 16 ratinhos à nossa espera, a minha vida de bióloga é um privilégio.
Importa ainda referir que o trabalho de campo já não é o que era: estou na Carolina do Sul, numa cidade perdida no meio do nada, numa bakery com internet a tomar um capuccino. Às seis da manhã enfiei os pés na lama e tratei de 6 ratinhos, às duas da tarde falei com a família e fiz uma aplicação financeira no site do meu banco.

05 maio 2008

Sou arrebatada, não restam dúvidas. A ideia surge, congemino e planeio, num ápice está a decisão tomada. Não há tempo para indecisões, dão-me nervoso miudinho. Gosto de lhe chamar entusiasmo, independência ou determinação, mas se calhar não é nada disso (calma aí contigo mas é). Doc ou post-doc, peixes ou ratos, não faz diferença. Ainda agora cheguei e já meti o pé na argola. Decididamente não posso lidar com alminhas de melindre fácil. Desta vez parece que acertei. Apenas um email de alerta, logo seguido de outro bem simpático. Está tudo bem.

02 maio 2008

Ainda não interiorizei a coisa. A minha amiga de sempre, aquela pequenina gozona de carinha redonda, adolescente rebelde e companheira de experências, é agora mãe. O ciclo da vida segue o seu caminho e eu aqui tão longe sem poder viver a coisa também...

01 maio 2008

A dentada da serpente

Para além de muitas outras coisas, ele deixou-me músicas proibidas. Hoje o shuffle trouxe-me esta. A serpente mordeu-me, mas não me estragou o dia.

Avientame
(da banda sonora de Amores Perros)

Abrazame y muerdeme
llevate contigo mis heridas
avientame y dejame
mientras yo contemplo tu partida
en espera de que vuelvas
y tal vez vuelvas por mi

Y ya te vas que me diras
diras que poco sabes tu decir
despidete ya no estaras
almenos ten conmigo esa bondad
te extrañare no mentire
me duele que no estes
y tu te vas

Amarrame y muerdeme
llevate contigo mis heridas
murmurame y ladrame
y grita hasta que ya no escuche nada
solo ve como me quedo aqui esperando que no estes
en espera de que vuelvas
y tal vez vuelvas por mi
en espera de que vuelvas
y tal vez vuelvas por mi

25 abril 2008

O riso

Tenho para mim que é o sentido de humor que dita as relações humanas. Afinidades e cumplicidades são talhadas pelo riso, ou melhor, pelo que o provoca. A intimidade constrói-se com o riso. Os meus amigos do peito riem-se muito, e eu rio-me muito com eles. Coisas tão insignificantes, tão mazinhas por vezes, tão inacreditavelmente engraçadas... É o historial de muitos risos que me faz querer chorar com eles.
Identifico o mesmo padrão no que respeita a namorados. Tudo o resto parece ter corrido mal, mas até ao fim, rimo-nos das mesmas coisas.
Aqui no sítio novo, ainda não tenho grandes amigos, é ainda muito cedo para tal. Aprecio-lhes para já o sentido de humor, que tem despoletado boas e recorrentes gargalhadas comuns.

21 abril 2008

Ando que me farto nesta cidade. Tenho uma dor no pé esquerdo e outra no joelho direito, mas em compensação a minha barriga diminui de dia para dia. As calças estão-me largas, o cinto precisa de mais um furo e, todas as manhãs, o espelho mostra-me um perfil lisinho. A este ritmo, daqui a uns tempos, a dita vai estar pronta para ser presenteada com um furo no umbigo.

19 abril 2008

Onze e meia, chego a casa. Música e vela acesa no meu quarto. Penso na semana: pcrs que funcionam mas depois desistem, o rodopio no laboratório, a lab meeting em que me senti parte da coisa, as marguaritas das post-docs, as pizas do jantar a acompanhar a conversa e o riso fácil do casal garcia. Os dias correm, eu absorvo tudo, não faço planos e sinto-me extraordinariamente calma.

16 abril 2008

Columbia St.

Não sei identificar o que tem a minha nova casa, mas gosto dela. O calor, o cheiro característico, as minhas mobílias acabadas de chegar, as marradinhas da Bell e da Gigi, a cumplicidade dos roommates. Percorro mentalmente o caminho até lá e apetece-me chegar.

14 abril 2008

Le mépris

Le Mépris ou Contempt na versão traduzida que fui ver numa sala que, presumo, vai passar a ser de frequência assídua. Sem dúvida um filme a rever ao longo da vida. Pela realização, pela Brigitte Bardot, pela fotografia, pelo texto, mas sobretudo porque, mais cedo ou mais tarde, e talvez de diferentes formas ao longo na vida, nos vamos rever nele. Se acaso o tivesse visto há uns tempos atrás, não acredito que tivesse gostado tanto.

12 abril 2008

Sábado

Tenho novamente bancada, arrumada claro, mas com ar de investigadora atarefada. Voltei às pipetas e aos tubos. Se dúvidas houvessem tirei as teimas: pipetar é como andar de bicicleta, não se lhe perde o jeito. Para arrumar já as saudades, o meu primeiro DNA de rato não se quis mostrar. Mais uma vez lembro-me da melhor lição que me ficou de um professor da FCUL: Persistência e resistência à decepção são qualidades fundamentais num investigador.
Agora troveja e eu vou para casa. Talvez logo haja mais uma sessão de riso internacional.

02 abril 2008

Pequenices

Gosto de coincidências, detalhes, pequenas ironias. Divirto-me com pequenas associações e procuro, por brincadeira, significados insignificantes. Escolho o dia das mentiras para a viagem.
Na primeira escala encontro no bolso do casaco um pequeno papel amarrotado. Leio o rabiscado:
iogurtes
requeijão
papel higiénico
abrilhantador máq. loiça
Localizo-o. Primeiro no espaço (requeijão= Portugal, abrilhantador= casa-que-já-foi-nossa), depois no tempo (há uma eternidade). Guardo-o de novo no bolso mas prometo deita-lo fora no primeiro caixote de lixo que encontrar.
Aterro no destino final e, ao contrário do previsto, sou recebida por uns amenos 16C.
Entretanto esqueço-me do papel. Vai para o lixo já em casa do Tiago.

28 março 2008

Cá se vai andando

Não quero ser exemplo para ninguém. Não quero esse peso, essa responsabilidade, simplesmente porque não o sou. Vou andando e fazendo o melhor que posso. Às vezes ando às apalpadelas. Identifico a facilidade em confundir determinação com sabedoria, mas não acho que seja disso que se trata. As coisas acontecem e eu reajo. Tenho alguns objectivos e penso no caminho que quero seguir, mas sinceramente não sei para onde vou. Há muito que me deixei de planos a longo prazo. Aprendi a lidar com a angústia e cada vez sofro menos por antecipação. A vida tem-me surpreendido tanto que não vale mesmo a pena. Para o melhor e para o pior cada ano é uma novidade. Acho que já o escrevi e volto a repetir: é a certeza da surpresa que me leva para a frente.

18 março 2008

Viva o imposto

A extracção da madeira é feita sob o controlo do Estado. O governo vietnamita impõe um imposto especial sobre todos os produtos exportados que contribui para a arborização e administração da floresta.
Ao comprar a nossa mobília está a contribuir directamente para o salvamento da floresta vietnamita.

Muito boa surpresa, em letras pequeninas. Depois de já ter montado a mesa...

12 março 2008

Sinto os músculos internos todos aos estalinhos. Desafio-os, controlo-os. É o domínio da mente sobre o corpo. Vou buscar o que quero, obrigo o que não interessa a ficar no lugar. É difícil, é desafiante. Parece fácil e desinteressante. Requer trabalho e dedicação. Progresso e prazer directamente proporcionais. Como quase tudo o que vale a pena na vida.
Recebi rasgados elogios na última aula de Pilates. Ganhei o dia.

05 março 2008

Estás com muito bom aspecto. Até pareces mais nova. Gosto de ouvir. Aposto que sorrio. Numa escala de 1 a 10?...pergunta-me. Escala? Acho que me falhou qualquer coisa. Sim, de bem estar. 8? Hesito um segundo. Sim, 8.
Voltamo-nos a encontrar antes de eu ir. Quero conversar sobre a escala.

De regresso a casa penso na Meryl Streep em "The hours": I remember one morning getting up at dawn, it was such a sense of possibility, you know? That feeling? And I remember thinking myself, so this is the beginning of happiness and of course there will always be more. It never occurred to me, it wasn’t the beginning. It was happiness. It was the moment, right there.

27 fevereiro 2008

O tempo

Pouco a pouco habituo-me a este ritmo. À cadência dos dias não muito preenchidos. Sou agora capaz de saborear o tempo a passar de outra maneira. Criei uma nova rotina. Usufruo da dádiva do tempo. De tanto esperar, a ansiedade já passou. Agora a espera é serena. Mesmo assim, as horas, os dias, as semanas, passam depressa. Aproveito cada minuto. Nos dias de sol, deixo que ele me preencha os dias. Não tarda nada o ritmo vai mudar e sei que quanto mais aproveitar a cadência de agora, melhor me vai saber a diferença horária.

22 fevereiro 2008

Acho que sou tagarela. Podia não opinar, podia só ouvir, para variar. Ouvia, sorria e guardava tudo para mim. Talvez um ar introspectivo ou distraído, não interessa, desde que com a boca fechada. Na verdade podia até não ter opinião. Seria mais fácil, menos cansativo, mais pacífico.

14 fevereiro 2008

05 fevereiro 2008

Avó Clara

Estava bem disposta neste domingo e com vontade de sair. Ela nem imagina o efeito que isso tem em nós. Acho que ficamos todos mais leves. A minha avó Clara, senhora de um rijos 87 anos, enérgica e com uma grande vontade de viver. Depois do cozinho à portuguesa disse que estava com saudades de fazer anos, "sempre era mais um". Trata muito bem de si e está sempre a pensar nos seus. Desta vez foram bifes para o meu irmão e laranjas para mim. Houve tempos em que os avios eram repletos e variados, qual cabaz de Natal! Tenho cá para mim que o segredo da sua vitalidade é a alimentação cuidada e os rodopios no seu quintal. Este ano, para além das habituais sacadas de laranjas (doces como nenhumas outras) tivemos abóboras plantadas à semente. Dona de uma teimosia genuína, a palavra das vizinhas é sagrada. Não vale a pena argumentar, explicar, insistir. Ninguém a demove. Leva-nos ao desespero e confesso que até já lhe levantei a voz. Nascida e criada na zona saloia, a infância difícil deixou marcas. Não usa o aquecedor porque gasta muita electricidade e recusa-se a deixar pão "estreado" na mesa. Ao fim de muita insistência deixou de guardar dinheiro em casa e é agora senhora de um cartão multibanco!
Neste domingo quis saber para onde era mesmo que eu ia agora. Expliquei que era para o mesmo país, mas só que para mais perto, "o país é tão grande que faz muita diferença e não te preocupes que conheço já lá portugueses e brasileiros". Ficou contente e isso descansa-me. Não tarda nada estou a ligar-lhe lá de longe. Parece que já a estou a ouvir "ai filha que parece mesmo que estás aqui pertinho".

02 fevereiro 2008

A confirmação

Sem estar ainda à espera, chegou a notícia por email. Parece que falta um documeno, mas "Informamos ainda, que o pedido de alteração (...) foi aceite". Assim, quase que como um detalhe sem importância. Sabem lá eles o que isso significa para mim. Simplesmente vai ser uma vida nova, mas isso só sabe mesmo quem tem estado aqui.
Sabem que mais? Chorei. Foram só duas lágrimas, mas garanto que eram diferentes de todas as outras.

01 fevereiro 2008

Azulices

Está-se muito bem no quarto da parede azul. Ainda estive inclinada para o mar, mas não. O tom era mesmo este, frio e triste, não faz mal. Como disse o meu avô "para alegre bastas tu".

27 janeiro 2008

Estreia

Fui para ver e acabei por ficar atrás da cortina. Segurei-a bem e com todo o meu empenho. Depois fiquei muita quieta, no escuro, quase sem respirar, resistindo à tentação de espreitar. Ela acha que eu digo a brincar, mas foi mesmo uma honra participar.

25 janeiro 2008

"Que surpresa este choro de novo, esta evidência que corta tudo por dentro, na sua solidão que julgava conformada, de que já não está, não está mais, não volta, por mais que sorrisse triste uma vingança no julgamento, por mais que o assassino apodreça na prisão. Por mais que, com o passar dos anos, se tenha convencido de que seria capaz de perdoar. Que já passou, que não adianta ruminar o assunto, que tem de continuar a vida. Julgamos, muitas vezes, que a dor já lá não há-de estar, confiantes no grande remédio que nos ensinam cura tudo. O tempo. E contudo há sempre um dia, um acontecimento, uma conversa, uma situação que observamos, ou esse tal objecto insignificante que reencontramos. E a serpente morde-nos outra vez os tendões."

Rodrigo Guedes de Carvalho, in "Canário"

22 janeiro 2008

De mansinho

Acho que vou voltar. De mansinho, como se nada fosse. Digamos que vou acordando da hibernação. Vou desenrolar a coluna, "vértebra por vértebra", sempre a expirar e com o core fortalecido como manda o pilates. A prova está passada, mas há quem diga que só agora começou.