Um chá no deserto

Para irem sabendo de mim...

24 setembro 2009

Do livro (IV)

"É por essa razão que escrevo este livro. Para pensar. Para compreender. Acontece que eu sou assim. Preciso de registar as coisas para sentir que as compreendo plenamente."

Haruki Murakami in Norwegian Wood

21 setembro 2009

Apercebo-me numa fracção de segundo, numa conversa ou ao virar da esquina. Aconteceu no passado e repetir-se-á um dia. Tornar-se indiferente acontece da mesma forma subtil e inexplicável com que uma nova presença começa a ser reclamada. De mansinho, sem se anunciar. O processo é o mesmo, as velocidades são muito diferentes. Se um dia tiver que ser, percorrerei o percurso novamente, devagar, sem pressa.

Do livro (III)

Sentado no sofá feio e duro, cabeça recostada, vejo-lhe uma lágrima e percebo que está prestes a desistir. Então, engulo em seco, esqueço o meu nó na garganta e vou. Pudesse eu ter-lhes poupado todas as lágrimas, tê-las chorado todas por eles. Esquecer que era apenas uma menina e pôr ordem a tudo. Encaixar as peças da vida de todos os que faziam parte dela. Preencher-lhes as falhas, explicar-lhes as dúvidas. Dar-lhes as respostas às perguntas que não sabiam formular, mas para as quais procuravam sentido todos os dias, avidamente. Pudesse eu...Vejo com o tempo que nem tudo está nas minhas mãos e aceito os meus limites. Aprendi a descansar e deixo agora muitas coisas apenas ser.

14 agosto 2009

Às mulheres da minha vida

A minha vida é marcada por grandes mulheres e guardo secretamente o desejo de ter algo de cada uma delas em mim. A minha avó que criou duas filhas sozinha, não porque tivesse perdido o marido, mas porque o marido se decidiu perder. Sofreu mais tarde o sofrimento supremo e continuou como pôde só porque era uma grande mulher. Nunca mais foi a mesma. Cresci com a noção inconsciente de que era a sua razão de viver. Dirão, responsabilidade demasiada para uma criança. Com certeza que sim, mas não faz mal. Assumi-la-ia hoje de novo se o pudesse fazer. Foi-se cedo. Muito cedo. Cedo de mais. Não me deu tempo de crescer e de lhe dizer que não faz mal. Que está tudo bem, que compreendo e sei que não poderia ter sido de outra forma. A minha mãe. Não me criou sozinha, o meu pai não viveu connosco mas esteve sempre lá. Não obstante, o dia-a-dia era dela, só dela. Andou para a frente com a vida com a lucidez de me aliviar o fardo da infância, de a tornar leve e fresca como ela deve ser. Aposto que fez das tripas coração diversas vezes, mas posso escrevê-lo com segurança que o conseguiu na perfeição.
Aqui estou eu- espero acima de tudo que vos tenha valido a pena.


12 agosto 2009

Gandaia


Gandaia ou o que lhe quiserem chamar. Que importa o nome quando o espírito está todo lá? Aquece a tarde e estende-se pela noite dentro. Reina o samba, lava-se a alma!
Começa já a assumir regularidade e cada nova versão é fervorosamente antecipada. Planeiam-se carnes e músicas, surpreendem-nos brigadeiros e instrumentos novos. Está tudo lá. Acontece aqui, mas poderia ser em qualquer parte do mundo- repito-me: é o espírito que importa!

06 agosto 2009

Quantas coisas na vida fizeste apenas por ti e decidiste sozinho fazê-lo? Eu fiz uma, só uma. Foi a melhor.

30 julho 2009

Ossos do ofício

Do livro (II)

Livro meu será necessariamente sofrido, nada de facilidades. Quero sua-lo. Pratico a escrita, experimento-lhe o gosto. As ideais espreitam subitamente. Tomo registo mental, escrevinho palavras-chave, deixo para depois. Há então que encadeá-las, dar-lhes forma e estrututa. Para tal nada como nadar. O estado líquido esvazia-me a mente, abstrai-me do tempo e as ideias começam a existir em palavras. Em dias especiais corro para casa e despejo-as no computador. Trechos que me apeteça irão aparecendo por aqui.

29 julho 2009

Rios

Corro-lhe as margens, pedalo-lhe os trilhos, deslizo-lhe sobre as águas calmas e entorno-me nelas em dias de vento. Charles, querido Charles! Olho-o de uma das suas pontes e impregno-me de sol de fim de tarde. Cumplicidade: reflexo das águas nos prédios, prédios espelhados nas águas. Lembro-me agora da luz do Tejo, quando o comboio lhe passava tangente, incansáveis ele e eu, todas as manhãs. Aquela curva entalada entre Caxias e Cruz Quebrada, o levantar dos olhos do livro só para ver a ponte pequenina lá ao fundo e o reflexo do sol na água. A baía de Paço de Arcos que se estende para nós, subtilmente salpicada de barcos pequenos de pescadores. Belém com a Torre. Mais barcos pequenos, estes à vela. Incansáveis, eu e os rios seguimos, diariamente.